Igreja de Nossa Senhora das Dores do Monte Calvário (1761)
Na colina que se ergue atrás da Matriz de Nazaré se destaca uma pequena igreja dedicada à Nossa Senhora das Dores. É um templo de linhas severas. Possui um frontispício simples encimado por duas torres, uma das quais possui dois sinos datados de 1810 e 1898. No óculo, localizado no frontão, leem-se as datas 1761-1939, sendo a primeira a data provável da construção e a última indica uma restauração.
É tradição ancestral que a Igreja das Dores foi edificada pelo povo mais simples do arraial que devotava especial fervor ao culto da Paixão e à Semana Santa. Esta reminiscência foi recolhida por João Baptista Costa, que também registra outras interessantes estórias ligadas à igreja: contava-se que no desenrolar da Guerra dos Emboabas, no ano de 1708, a população de Cachoeira, assustada e revoltada pelo grande número de mortos insepultos em suas ruas, resolveu que durante a madrugada, quando não mais se ouviriam os estampidos da artilharia, arrastaria os corpos até um lugar isolado para, posteriormente, sepultá-los. E assim se deu. Quando já se fazia noite alta, um grupo de pessoas do arraial penetrou na mata e abriu uma clareira, onde hoje é o Cemitério das Dores, e para lá levou os mortos, tornando deste então aquele lugar conhecido como o local ‘das dores’, tamanho o sofrimento infligido. Quando das primeiras celebrações da Semana Santa, se fez necessária a construção de uma igreja dedicada à Nossa Senhora das Dores, o local escolhido foi ao lado do cemitério que já existia desde longa data.
Outra antiga lenda afirma que os inconfidentes reuniam-se em seu interior para, do alto de sua torre esquerda, espionar o Visconde de Barbacena em seu Palácio. Ainda hoje é possível avistar as ruínas do Palácio de Campo do alto desta mesma torre.
Narra mais outra lenda que uma pobre velha chamada Maria Dolorosa foi quem, de porta em porta, angariou esmolas para as obras da referida igreja. É interessante que existe um documento que pode lançar nova luz sobre essa tradição e sobre a origem da igreja. Guardado no Arquivo Ultramarino de Lisboa, o manuscrito é uma solicitação de ampliação da igreja. Nele se diz que o templo está ereto “há 36 anos (…) no Monte Calvário da mesma freguesia”, alvo de “fervoroso culto”, “a ponto de não caber na capela a imensidade de povo”, sendo, então, necessária a ampliação do espaço, posto que “recorrem humildemente a generosa piedade” do futuro Rei Dom João VI para que “atendendo a fervorosa e pia intenção dos suplicantes se digne conceder-lhes que um ermitão (…) peça esmolas”.[1]
Do documento podemos extrair algumas valiosas informações. A primeira delas é que o culto de Nossa Senhora das Dores se espalhou grandemente pela região de Cachoeira, conforme reza a tradição local. A pobre igreja não comportava mais o número de fiéis que para lá afluíam.
O primitivo nome do bairro é citado e é uma alusão às celebrações da Semana Santa e ao próprio nome da irmandade: Irmandade de Nossa Senhora das Dores do Monte Calvário. Sob o coro existe ainda um medalhão pintado com as insígnias confrariais: a cruz vazia sobre um coração perfurado por sete espadas, embasada pelo Monte Calvário.
Outro dado importante diz respeito à construção em si. O documento diz “que há 36 anos se acha ereta” a Capela das Dores. Se o apontamento foi escrito em 1801, deduz-se que o edifício estava pronto em 1765, confirmando, de certa forma, a data quase apagada do óculo (1761). Estas informações colocam a Igreja de Nossa Senhora das Dores de Cachoeira do Campo como a mais antiga desta invocação no Brasil. Consta que este culto tomou fôlego em Portugal nas décadas iniciais do século XVIII e foi trazido de Braga para Vila Rica por volta de 1767. Muitos consideram que a igreja de Ouro Preto é a primeira com este orago, mas o manuscrito citado vem corroborar o contrário.
Por fim, houve realmente o requerimento de autorização da prática sistemática de se pedir esmolas, através da peregrinação de um ermitão, coisa comum no período colonial.
Seu frontispício possui uma grande porta de verga arqueada e duas sacadas envidraçadas de mesmo estilo. Entre as janelas, abaixo de uma cruz trabalhada em pedra, acha-se um óculo desprovido de vidraças. Nas laterais da porta principal há duas pias de pedra. Na nave acha-se, do lado da epístola, o altar original, de madeira, dedicado à Senhora das Dores. No lado do evangelho está a porta que dá acesso à sacristia e o púlpito (simples, com escada interna de madeira). Na capela-mor encontra-se a famosa imagem da Virgem, expressiva peça de roca.
O que chama logo a atenção do visitante são as pinturas de forro compostas por 16 painéis (15 dos quais, em forma de caixotões, estão na nave e retratam cenas da Paixão de Cristo). O décimo sexto painel localiza-se na capela-mor e possui maior dimensão que os demais: no centro deste forro está Nossa Senhora das Dores, sentada e com o coração cravejado por espadas, em meio a alguns anjos. Interessante notar, nesta composição, que Nossa Senhora parece ferir, com uma de suas espadas, o homem que está ajoelhado a seus pés. Deduz-se disto que esta cena deva representar um ex-voto, isto é, alguém que alcançando uma graça a mandou representar em sua lembrança.
“Igreja das Dores – Forro da Capela-Mor”
Outros detalhes importantes de se notar são a arquitetura e certos elementos ornamentais que se mantiveram praticamente intactos: as paredes de pedra e cal (que chegam a ter um metro de espessura); o piso composto de lajotas de barro cozido (que é um dos poucos do estilo que ainda resta na região); o delicado gradil de madeira (que separa o corpo da nave das passarelas laterais); as curiosas marcas seculares deixadas no piso por patinhas de cachorro e dedos de crianças peraltas etc.
[1] AHU-Con. Ultra. – Brasil/MG – CX: 159, DOC.: 27. (11555 A801,22,9)